Maria
Clara Bingemer - teóloga, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e
autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão” (Edusc).
Para quem anda descrente da
humanidade, o recente episódio do resgate de doze adolescentes tailandeses de
uma caverna inundada foi uma bela surpresa. Uma onda de
solidariedade se fez presente de um ponto a outro do planeta.
Uma corrente de desejos e
sentimentos positivos apontava de todas as partes na direção da caverna onde os
meninos e seu treinador estavam confinados. O heroísmo de tantos, que vieram de
outros países para ajudar no salvamento, foi admirável. Em época tão conturbada
como a que vivemos, trata-se de um autêntico reencontro da humanidade consigo
mesma, como disse a acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira em recente
artigo.
Os doze meninos e seu treinador
permaneceram na caverna onde as fortes inundações os surpreenderam isolados por
longos dias com comida escassa e em condições muito precárias. Quando foram
encontrados, o mundo inteiro ficou impressionado por estarem em boas condições
físicas naquela situação limite que viviam. Mas, para além disso,
chamaram mais ainda a atenção de todos pela calma e equilíbrio que demonstraram
durante todo o processo de encontro, resgate e salvamento.
De um grupo de adolescentes que
formavam um time de futebol seria normal esperar medo, pânico e agitação ao se
perceberem confinados em uma caverna escura por vários dias, sem saber como
fazer para sair dali e salvar-se. A insegurança,
aliada à escassez de recursos alimentícios e à exiguidade
do espaço seco em meio à caverna alagada, tudo contribuía para que os
meninos estivessem abalados e vulneráveis.
No entanto, o que se viu foi um
grupo de crianças calmas, vivendo a dificuldade pela qual passavam com um
sorriso nos lábios e muita serenidade. Nenhum chorava ou tinha qualquer reação
de angústia e aflição. E assim permaneceram ao longo de toda a operação de
resgate com muita expectativas e adiamentos sem fim.
Qual o segredo dessa paz, desse
equilíbrio? Que espírito adejava por aquela caverna a ponto de
conseguir tranquilizar desta maneira doze crianças em perigo? Cremos que a
resposta se encontra em algo que acompanha o ser humano desde suas origens e
que ao longo da história tomou formas e configurações diversas e fascinantes: a
espiritualidade. Ou seja, a capacidade do ser humano de elevar-se
além do sensorial e do racional, e experimentar a transcendência.
No caso do time dos “Javalis
Selvagens” que comoveu o mundo, parece que a fonte imediata daquele
enfrentamento admirável de uma situação tão adversa encontra sua raiz na pessoa
do treinador Ekapol Chanthawong. Foi ele quem os levou à excursão que
acabaria isolando-os dentro da caverna. Mas foi igualmente ele que
os liderou no processo de resistência que lhes permitiu conservar a vida e as
energias, de modo que pudessem ser salvos e reconduzidos a suas famílias.
O treinador, antes de
ocupar-se de times de futebol, foi monge budista e viveu desde os doze
anos em um mosteiro. Dali saiu para cuidar de sua avó doente.
Ali também aprendeu as técnicas e o método da meditação budista durante uma
década. E quando saiu, levou consigo a espiritualidade que havia
vivido no mosteiro. O mosteiro ficou gravado em seu interior e o faz
até hoje manter contato com a comunidade que ali reside. Segundo o abade
do mosteiro, Chanthawong continua meditando regularmente.
Parece que, ao constatar a
situação de isolamento em que se encontrava junto com os meninos, passou
a ensinar-lhes a meditar. O objetivo era mantê-los calmos e
preservar suas energias enquanto ali estivessem. Assim se passaram
duas semanas. Cada um fazia uma hora de meditação ao dia, e isso os ajudou a
resistir durante todo o tempo em que estiveram na caverna até serem
encontrados e resgatados.
Além de ajudar os meninos
dando-lhes o que tem de melhor – sua espiritualidade – o treinador deu-lhes
vida concreta retirada de sua própria vida. Jejuou e não se alimentou durante
os dias de reclusão, a fim de que sobrasse mais dos poucos alimentos de que
dispunha o grupo para os meninos. E foi o último a ser
libertado e ver novamente a luz do sol. Certamente seus longos anos de ascese
no mosteiro foram fundamentais nessa atitude e nessa prática.
Neste momento, o alívio e a
alegria de ver a todos os personagens da caverna finalmente sãos e salvos,
somos levados a refletir sobre a importância da espiritualidade para nossas
vidas.
A rica, admirável e milenar
tradição budista pretende conduzir as pessoas em direção à iluminação
e à paz de espírito. Poderia ter sido outra tradição. O
importante neste caso é perceber a grandeza de nossa condição humana. Tão
precária e frágil a ponto de contar com forças limitadas para sobreviver em
situações difíceis. Mas tão incrivelmente bela e elevada de forma a
enfrentar grandes dificuldades graças ao espírito que anima uma corporeidade
finita e mortal.
O time dos Javalis Selvagens e
seu treinador nos sinalizam algo da maior
importância. É preciso cultivar o espírito, investir na vida
espiritual, seja em que tradição religiosa for, ou mesmo fora de qualquer
uma. Certamente faz a vida mais digna desse nome. E pode
ajudar-nos muito quando nos virmos isolados em alguma caverna escura e inundada
sem vislumbrar saídas evidentes.
ATIVIDADE:
1. Pesquisar e dialogar sobre o significado de
ESPIRITUALIDADE.
2. Dialogar sobre o que significa cultivar o espírito e
investir na vida espiritual.
3. Destacar frases e lições de vida que o texto apresenta.
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